Maria, a estrela guia da jornada
- Movimento Shalom A.M
- 14 de abr. de 2022
- 5 min de leitura
Werbert Cirilo Gonçalves, XXII Jornada Shalom
Fonte: GONÇALVES, Werbert Cirilo. Movimento shalom: um jardim sagrado atrás de uma porta estreita. Belo Horizonte: Crivo, 2018.
Há uma formulação da teologia trinitária que apresenta Deus como o Amor por excelência: o Pai é o amor misericordioso; o Espírito Santo, aquele que fecunda esse amor nos corações; e o Verbo, a expressão mais bonita do amor aos seres humanos. À luz desse enunciado trinitário, podemos afirmar que com o seu “sim”, Maria possibilitou a expressão do amor do Pai ao mundo pela ação do Espírito Santo. Ao acolher o Cristo no seu ventre, ela permitiu que o Verbo do Amor pudesse ser ouvido pelo ser humano.
Segundo Bruno Forte, para compreendermos a importância de Maria temos que revisitar os textos sagrados. Este teólogo afirma que a figura da mãe de Jesus precisa ser interpretada à luz da Revelação, o que nos ajuda a vê-la como “ícone do mistério”, pois Maria está incorporada ao mistério do Filho. Pois bem, infelizmente, não teremos como destacar todos os textos sagrados que falam desta mulher tão extraordinária na história da Salvação, porém destacaremos quatros trechos evangélicos que nos ajudarão a demarcar alguns elementos significativos da sua vocação.
No evangelho de João 2,1-12: temos o relato de uma festa de casamento em Caná da Galiléia. Maria está nesta boda junto com seu filho e outros convidados, porém ela não é a personagem principal: senão o próprio Jesus. O que nos ajuda a concluir que só podemos entender e afirmar a nossa fé em Maria se for à luz do Cristo. Além do vinho que representa a festa, Maria representa a comunidade de Israel que espera um novo vinho. Por isso, Jesus a chama de mulher (que é símbolo da comunidade de Israel que espera uma ação de Deus em favor do seu povo). Comumente esse texto é interpretado para afirmar a intercessão de Maria por nós. Esse tipo de interpretação é válido enquanto acreditamos que ela, por estar perto de Deus, reza em nosso favor. Mas será muito saudável à fé se termos claro que, como no texto, Maria pede o milagre, mas é Jesus quem o realiza. Assim, a figura de Maria nos aponta para a pessoa de Jesus que vem trazer vinho novo (uma nova festa) para Israel.
Em Lucas 1,46-56: temos o Magnificat. Este canto é inspirado no salmo de Haná, mãe de Samuel. Como este salmo (1 Sm 2,10s), o Magnificat descreve as ações de Deus em favor dos homens como um processo de destituição de esperanças humanas orgulhosas e de consagração dos humildes. O canto de Maria é a exaltação dos pequenos e a derrubada dos poderes injustos dos tronos. Maria é aquela que respondendo o sim a Deus, contribui para que os opressores sejam destituídos de suas forças. Ela é exemplo de como deve ser a Igreja no mundo: humilde, esperançosa e forte. Ela pertence ao povo pobre e simples que o Senhor conservou e que se tornou arquétipo para a Igreja de Cristo.
No evangelho de João 19,25-27: temos o relato que interpretamos como o momento em que Jesus nos dá Maria como Mãe e pede ao discípulo amado, que ora nos representa, para acolhê-la em sua casa (que simboliza a família ou o grupo de pertença). Maria aos pés da cruz é discípula que segue o mestre até o extremo da morte, confirmando sua condição verdadeira: “Se queres ser meu discípulo, tome sua cruz e siga-me” (Mt 16). Maria está ao lado da cruz, perto do seu filho. Diferente dos outros discípulos que fugiram, ela está mais preocupada com seu Filho do que com o perigo de assumir sua fidelidade a Jesus diante dos soldados e do povo que queriam crucificá-lo. A força de Maria aqui, é também tipologia de tantas mães que sofrem com os filhos crucificados em tantas cruzes no nosso mundo (violências, desemprego, preconceito, desrespeito, doenças etc.).
No Apocalipse 12: acompanhamos a narrativa da mulher grávida, vestida de sol, tendo a lua debaixo dos pés e uma coroa na cabeça. Segundo os estudos bíblicos, a moça vestida de sol é a comunidade de Israel que gerou o Messias em seu interior, bem como a Igreja que gera os cristãos. Entretanto, não é pouco a liturgia celebrar a mãe de Jesus como imagem desta mulher do Apocalipse, pois ela deu à luz o Cristo e se tornou exemplo para os primeiros seguidores dos apóstolos. Portanto, o discipulado de Maria, seu testemunho, gerou cristãos fortes capazes de derrotar o dragão. Assim, os mártires venceram as perseguições e todo monstro que tentava varrer, com sua cauda, os sinais de vida em Cristo. Assim, Maria se tornou para nós modelo do discípulo fiel que é capaz de gerar Deus no seu interior e vencer os sinais de morte do nosso tempo.
Finalizando, Maria não é mera coadjuvante com uma simples participação na história sagrada, senão desempenha papel fundamental: no projeto de Deus, na missão do seu filho, na vida da comunidade de Israel e no movimento de Jesus. Seu testemunho de vida é apontar sempre para o Cristo. Portanto, o olhar da comunidade cristã não idolatra Maria, pois a visão não termina “nela mesma” ou em seus atributos. Ela não é o eidolon (ídolo), mas eikon (ícone). Enquanto a imagem (como ídolo) retém o olhar, adorando o objeto que se vê, o ícone é sinal de uma realidade superior. Assim, como ícone do mistério, por Maria o olhar passa para alcançar aquele que está além dela: o Cristo. Nesse sentido, ela acena para o mistério divino que tudo abarca e vocaciona. Ela é uma mulher que representa, uma comunidade judaica que precisa reconhecer a originalidade da presença divina na história humana (-“Eles não têm mais vinho”). Ela é uma mulher que é testemunho para a Igreja nascente que necessita reconhecer de onde vem o Cristo (nasce no seio do judaísmo); e, mulher que se faz “mãe dos pobres” e “humilde discípula”, fiel à Palavra do seu Filho (Magnificat).
Como se pode perceber ao longo de sua história, o seu “sim” ecoa até aos nossos ouvidos hoje. A resposta positiva de Maria indica, para cada cristão, que o “sim” a Deus implica comprometimento e cumplicidade até o fim. Quando Maria pediu o sinal nas Bodas de Caná, quando se juntou aos discípulos e, principalmente, quando estava aos pés da cruz, seu “sim” estava presente porque é intrínseco à sua pessoa.
Assim, devemos olhar para o conjunto de sua vida e perceber que, atenta à voz divina, ela se tornou exemplo para nós de santidade e, consequentemente, de autêntica discípula. A imaturidade de fé e os excessos de sentimentalismos podem nos levar a um falso conceito de santidade. Aplicado à pessoa de Maria, esse falso conceito cria também uma falsa imagem: a tal ponto que Maria se assemelha a uma boneca de porcelana infantil e frágil. Todavia, uma reflexão profunda possibilita contemplá-la como mulher forte, madura e corajosa que esteve sempre ao lado do seu filho e mestre. Entretanto, nada nos impede de vê-la, a partir de sua humildade, como mulher doce e sensível a Deus e aos irmãos. Somente desta forma, compreenderemos que a menina de Nazaré é a estrela guia de nossa jornada (sinal que aponta para o Cristo).

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