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Maria nas Igrejas: católica romana, ortodoxa e protestante.

  • Werbert Cirilo Gonçalves
  • 25 de nov. de 2017
  • 5 min de leitura

Texto de Referência: CONCILIUM. Maria nas Igrejas: perspectivas de uma mariologia ecumênica. Petrópolis, v. 188, n. 8, 1983. p. 46-89.

Autor deste post: Werbert Cirilo Gonçalves, 2017.

O texto da revista Concílium sobre Maria nas Igrejas: perspectivas de uma mariologia ecumênica trata-se de três artigos que refletem e remontam as abordagens teológicas ao longo da história do cristianismo dentro de suas importantes Igrejas, a saber: católica ortodoxa, protestante e católica romana.

Nikos Nissiotis destaca que Maria sempre foi o centro do culto e da piedade da Igreja ortodoxa como também da espiritualidade pessoal e comunitária dos fiéis, limitando assim a reflexão teológica sistemática a raras e ocasionais referências à pessoa da Mãe de Deus. Para este autor, a mariologia obriga a “levar seriamente em consideração o testemunho bíblico e querigmático da Igreja com relação à intepretação do elemento divino e humano em plena reciprocidade e intacta co-pertença”. Portanto, a teologia é provocada a retornar aos textos bíblicos e ao anúncio eclesial para redescobrir a figura de Maria, que vem sempre associada à figura do Cristo. Logo, a compreensão mariológica perpassa pela reflexão cristológica. Isto está refletido na compreensão de Maria pela Igreja ortodoxa expressa nos títulos marianos, a saber: Theotokos e Panhagia, termos também muito presentes no texto de Nikos Nissiotis. O primeiro é traduzido como “portadora de Deus” ou como “mãe de Deus”. O segundo termo significa “toda santa”. Estes títulos dizem do lugar que Maria ocupa na cena do mistério da salvação, bem como diante da Igreja. Neste sentido, exprime a participação na história sagrada, destacando a sua dimensão soteriológica e eclesiológica. Do mesmo modo, a figura de Maria está estreitamente vinculada com a encarnação do Verbo. Ela está vinculada ao Filho, porém não maior do que este, ainda que por vezes algumas formas piedosas tentaram cultuar. “Maria tem consciência que sua glória é uma glória reflexa – ela é devotada por sua humildade”. Ela está relacionada também à pneumatologia que mostra que Maria “nunca está sozinha ao realizar o supremo evento da geração de Cristo; mas Deus, em Sua plena comunhão e relação pessoa com a humanidade, está com ela capacitando-a a dar ao Logos o ser humano e a forma humana”. Ela é typos da Igreja e Mãe. Maria é modelo de uma humanidade que é redimida e forte para o Criador. Ela está plenamente envolta no mistério Tri-unitário que cria a nossa unidade, nos participa da vida divina e nos deifica. “Theotokos é considerada o cumprimento das profecias vétero-testamentárias e a Mãe do povo de Deus na nova aliança”. Ela nos leva a transformar em homens novos. De acordo com o autor, Maria resgata um feminismo evangélico de característica escriturístico diferente dos modelos atuais e ideológicos, todavia, não uma representação feminina em oposição às concepções andrológicas, senão como participante ativa do mistério salvífico. Do mesmo modo, ela influencia toda um trabalho ecumênico e as estruturas eclesiais.

Para o teólogo Gottfried Maron, compreender Maria no contexto do protestantismo necessita-se retomar ao fim da Idade Média, uma vez que até mesmo para compreender a Reforma é preciso ir a este tempo histórico. Aqui, Maron sinaliza que, dogmaticamente, as discussões a respeito da mãe de Jesus não eram tão marcantes quanto em outros tempos. Os destaques estavam somente em duas afirmações mariológicas, a saber: a maternidade e o nascimento virginal; porém aqui os dogmas ainda não estão construídos como tal. O autor indica que Maria não era algo estranho ao protestantismo como se imagina, senão havia muitas vozes que “exaltavam” esta figura tão importante na história da salvação. Gottfried Maron recorda que havia assim muita liberdade das práticas devocionais o que provocava formas míticas, fantasiosas e celebrações que acabaram promovendo lendas, as confecções de imagens e lugares milagrosos. Muitos reformadores viram muitos elementos positivos em Maria, porém nem sempre nas formas teológicas ou devocionais. Por exemplo, Lutero, apesar de desconstruir a figura de Maria como a medianeira dos pobres (num contexto próprio do julgamento e juízo final), engrandece a mulher serva do Magnificat que está relacionada aos grandes feitos de Deus. Ela é modelo de humildade, a pobre serva. Para o autor, a teologia evangélica não poderá preterir o tema Maria. Por isso, diz: “Se, para o futuro, se fizer necessária uma mariologia ecumênica”, será preciso que aumente a compreensão mútua entre os cristãos separados”. Contudo, não poderá ser uma mariologia nos moldes católicos.

Kari Elisabeth Börresen, ao abordar a figura de Maria na teologia católica romana, salienta ser necessário salientar a “doutrina marial sob o limitado aspecto da interação entre teologia e antropologia”. Assim, defende que toda teologia tem sua relação com o contexto sócio-cultural e histórico. Com isso, a teologia marial deve estar relacionada a este contexto e formulada em três perspectivas: cristológica, eclesiológica, mariológica. Na primeira perspectiva, Maria é a mãe do Filho de Deus. Ela é aquela que dá à luz o Filho de Deus, ou como designa a Lumen Gentium, a Mater Dei (genitrix Dei Filii). As concepções androcêntricas tem consequências problemáticas, pois reafirmam uma primazia da paternidade sobre a maternidade. Diz Börresen, “Maria coopera na fecundidade espiritual, que gera os membros cuja cabeça, o Cristo, ela corporalmente gerou”. Na perspectiva eclesiológica, há o risco de ao afirmar Maria como a nova Eva, ela seja vista como sexo secundário, perdendo assim o seu real significado, principalmente diante das compreensões atuais do lugar da mulher na sociedade. Na perspectiva mariológica, Kari Elisabeth Börresen fala do problema da compreensão do dogma da imaculada conceição sustentado naquela concepção do pecado original tal e não numa graça santificante. Do mesmo modo, o sentido do dogma da assunção corporal de Maria ao céu sobre pressupostos imortalidade da alma racional fruto de um movimento maximalista. A autora também sinaliza a visão de Maria após o Vaticano II. Maria, mãe da Igreja, é também a figura da libertação e modelo feminista. Aqui, se constrói a relação de Maria com a comunidade eclesial, com a situação social e de modelo de mulher que expressa o rosto feminino de Deus.

Enfim, o texto nos levou a compreender como Maria é também um tema transversal presente nas três Igrejas cristãs. Neste sentido, torna-se assunto importante para o ecumenismo. Cada uma poderá permanecer com as suas singularidades, mas compreender que há também contribuições que pode oferecer a outra. A espiritualidade e formas celebrativas da tradição ortodoxa são altamente expressivas. Do mesmo modo, a vinculação com a sagrada escritura própria do protestantismo é elemento do qual está tradição na abre mão. E como se apresenta significativa a teologia também católica das compreensões das tradições culturais, das definições conciliares, a reflexões de leituras teológicas de Maria como modelo da Igreja e modelo feminino frente ao machismo. Além disso, as teologias das igrejas provocam umas as outras a se repensarem. As teologias católicas, por exemplo, podem ajudar a teologia protestante a se abrir a uma compreensão de Maria sem medo e mais pretensiosa. A teologia protestante provoca a teologia católica a buscar sempre a vinculação também bíblica da mariologia, para evitar algum exagero (logicamente, há sempre vinculação bíblica nos documentos eclesiais oficiais). Em síntese, como tema transversal a mariologia mantém um elemento integrador e relacional. As Igrejas são chamadas a partilha seus tesouros teológicos e se empenharem a uma tarefa em comum. No caso da teologia sobre Maria, as Igrejas poderiam pensar temas como: o papel da mulher na história da salvação e na comunidade dos fiéis, bem como uma mariologia social, que perpassa pela compreensão de Maria como aquela que é também pobre e na qual a graça divina a torna a mulher do Magnificat.

Autor: Werbert Cirilo Gonçalves, 2017.

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